Eu não preciso de sua guerra mundial

"Look at the shoes you're filling
Look at the blood we're spilling
Look at the world we're killing
The way we've always done before
Look in the doubt we've wallowed
Look at the leaders we've followed
Look at the lies we've swallowed
And I don't want to hear no more" *

          Eu não preciso de sua guerra mundial. Aliás, eu não preciso de guerra nenhuma. Eu não preciso de homens fuzilados. Eu não preciso de homens que fuzilam. Eu não preciso de membros mutilados espalhados pela cidade. Não preciso do sofrimento de mães ao verem seus filhos pela última vez. Não preciso de feridos e inválidos. Minha vida não depende de corpos caídos das milhares de crianças que tiveram suas vidas interrompidas. Eu posso ser feliz sem ver a humanidade inteira ser destroçada. Eu posso seguir sem o seu genocídio.
          Eu não preciso de sua guerra mundial. Eu não preciso da fome que ela provoca. Eu não preciso de nações inteiras arruinadas. Eu não preciso de potências falsas amigas que vendem a reconstrução do que destruíram. Não preciso de toneladas dos seus artefatos explosivos armazenados. Eu não preciso da violência daquele que mata seu semelhante. Ele nem sabe porque mata. Mas mata. E depois sofre. Eu não preciso dos milhares de refugiados que só existem, não vivem. Não preciso da paz limitada que prometem em seguida. Eu sigo sem seus cruéis efeitos.
          Eu não preciso de sua guerra mundial. Eu não preciso da sua proteção. Você que é o perigo. Eu não preciso do discurso mentiroso de grandes homens. Eu não preciso dessa irracionalidade fantasiada de evolução. Não preciso do ódio e do medo que vocês alimentam. Não preciso dar minha vida para sustentar a riqueza de poucos. Eu não preciso ver bilhões entrarem em um cemitério enquanto bilhões entram em uma conta bancária. Não preciso do mundo polarizado. Não preciso do seu conceito hipócrita de vilões e mocinhos. Eu sigo também sem sua ilusão capital.
          Eu não preciso de sua guerra mundial. Eu não preciso da tristeza, da tormenta, da angústia e do desespero. Não preciso do choro, do sangue, do acre sabor da morte. Eu não preciso de sua guerra mundial e você também não precisa. Precisamos de direitos humanos que sejam maiores que interesses dos poderosos. Precisamos de um pouco mais de holismo. Precisamos de paz que dure. Precisamos de vida que dure. Precisamos de paz e vida. Paz e vida que durem. Eu seguirei sem sua guerra mundial.

          Fernanda Sales, a blogueira que não precisa de sua guerra mundial.


* Trecho da música Civil War, da banda americana Guns N' Roses.

Felicidade à venda

       E depois de um longo dia de trabalho, sustentando com meu suor esse sistema injusto, na tentativa de garantir as migalhas daquilo que produzo, chego em casa e atiro-me no sofá. Com o controle, ligo a caixa de Pandora à minha frente e deixo que aquelas imagens coloridas tomem minha mente.
       A primeira cena que vejo é de uma família feliz, em perfeita harmonia. Todos estão sorrindo e até o cão labrador parece estar entusiasmado. Eles se sentam à mesa arrumada e repleta de coisas gostosas e lentamente se servem de uma torrada lambuzada com margarina. Uma frase de efeito e mais alguns sorrisos depois, a propaganda acaba. Nada, nos últimos anos, conseguiu me deixar tão deprimida como este espetáculo de poucos segundos.
      Minha família nunca esteve tão alegre quanto aquela do comercial. Para falar a verdade, nós nem fazemos as refeições nos mesmos horários. Não possuímos nenhum cão e nossa mesa não tem aquele bolo de chocolate convidativo. Não trocamos sorrisos e abraços, estamos ocupados demais tentando ganhar dinheiro para que aquela mesma margarina esteja em nossa despensa. 
       Então pergunto-me, onde está essa felicidade que vocês vendem, Delícia, Qualy, Doriana, Mila [...]? Será que está na proteção metalizada que jogo fora? Será que está na embalagem e eu ainda não encontrei, embora tenha procurado por horas? Será que está no gosto e eu ainda não percebi? Será que eu também tenho que comprar aquela torrada para  surtir o efeito? Ou será que vocês simplesmente deveriam parar de dizer que a melhor coisa do mundo é digerir um pouco de gordura colocada em um pote?
       Estou falando apenas de 500 gramas de óleo vegetal hidrogenado que está no meu armário, mas o problema é muito maior. Se esse pensamento de que o consumo atende às demandas do espírito humano está presente em coisas tão ínfimas, o que pensar do resto? Até onde vai essa comercialização da ilusão? Até onde deixaremos ir essa comercialização da ilusão?
       Lembrem-se, amigos, a nossa felicidade depende mais do que temos nas nossas cabeças, do que nos nossos bolsos, ou, neste caso, no vaso de margarina.
    
       Fernanda Schopenhauer Salles