Vida, morte e morte de Ana

                Ana quer vida. Ana sente a vida. Ana nasceu. Ana é tão pequena. Ana tem choro fraco. Mamãe troca a fralda de Ana. Papai toca violão pra Ana. Ana tem medo de ursos grandes. Ana gosta do leitinho. Ana gosta de pular. Titia fala que Ana não para. Papai e mamãe brigam. Ana ainda não entende o mundo. Ana tá aqui, mas nem sabe.
                Ana cresce mais que os outros. Ana mora com vovó. Mamãe conhece o homem mau. Ana não mora mais com vovó. Mamãe sai. O homem mau faz Ana fazer coisas que Ana ainda não entende. Ana não entende. O homem mau grita com Ana e Mamãe. O homem mau bate em Ana e faz Ana fazer aquelas coisas. Ana não entende. Ana simplesmente não entende.
                Ana sente ódio. Ana agora sabe um pouco do que é estar viva. Ana lê os livros que Mamãe traz da escola. Ana escreve no diário como odeia todos. Ana tira boas notas. Ana tem poucos amigos. Ana acha que é muito estranha. Ana se sente pior que todos. Ana é feia. Ana se apaixona algumas vezes. Mas Ana não acha que merece amor. Ana escreve no diário uma história de princesas.
                Ana vê a novela na sala. Ana vê a menina que rouba biscoitos no mercado. Ana rouba biscoitos no armário. Ana vê a menina com o dedo na garganta. Ana coloca o próprio dedo na garganta. Ana vomita e dá descarga na tristeza. No ódio. Nas brigas. No homem mau. Ana sabe que os poucos amigos não vomitam as frustrações. Ana é feia e gorda agora. Ana escreve numa folha de caderno sobre a morte. Ana rasga.
                Ana emagrece. Ana emagrece muito. Ana briga. Estuda. Ana conhece outras tantas Anas. Ana quer entrar na tela e abraçar cada uma delas. Mas Ana se cala. Ana toma laxante e dá descarga na alma. Ana toma aquele remédio que faz o coração acelerar. Ana toma dez comprimidos quando quer voar. Ana corta pra voar. Ana escreve no blog sobre as confusões da mente.
                Ana tenta comer. Ana consegue um dia. Ana não consegue no outro. Ana vomita hoje. Mas não amanhã. Ana vê a alegria. Mas só um pouco. E só hoje. Ana conhece os olhos verdes. Mas eles não são para Ana. Ana ama os olhos verdes. Olhos verdes não amam Ana. Não poderiam. Ana tenta esquecer. Ana já até se acostumou com isso. Ana sabe muito da vida agora. Ana guarda o carinho e segue em frente. Ana escreve um livro sobre os olhos.
                Ana conhece o quarto azul. Ana ama muito rápido. Ana agora sabe que pode disfarçar o amor com sexo. Ana ama, ama, ama. O quarto azul diz que ama Ana. Ana é carente. Ana gosta de um jeito estranho. Ana esquece o mundo pelo quarto azul. Ana estuda menos, sai menos, menos poucos amigos. Ana briga mais. Mamãe não entende que ficar longe de casa faz bem pra Ana. Ana tem amor e está longe do homem mau. Ana até vomita menos. Ana bem consigo mesma. Ana escreve aquele texto sobre a beleza do amor.
                Ana conhece o lado feio do amor. Ana conhece a traição. O quarto azul gosta de outras Anas. E Marias. E Gabrielas. E Lurdes. Ana chora. Ana pensa que não pode confiar em ninguém. Todos machucam Ana. Ana não entende o que fez. Ana pensa em terminar. Mas Ana continua. Ana ama. Ana não pode se ferir mais ficando longe. Ana apaga e segue. Ana sabe demais da vida. Ana só pensa no fluxo. Ir com o fluxo. Ana aprendeu a liberdade. Ana escreve no grupo sobre a arte de sobreviver.
                Ana bebe. Vinho. Taça. Após. Taça. Ana se encontra. Ana chora. É tudo muito feio e triste. Ana culpa. Ana se perde em si. Ana se lembra de tudo. Ana chora mais. Dói demais. É tanta coisa e Ana é uma só. Ana quer morrer. Ana pensa em um final feliz pra essa história infeliz. Ana não consegue. Mas Ana precisaria ter um final pra ele existir. Ana pensa no final. Só pensa. Por enquanto. Ana escreve sobre o que viu e viveu. Ana sabe que só está começando. Ana sente esperança. Felicidade. Quem sabe, Ana?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada por ler a porcaria do meu texto. Esse é seu espaço para sugestões, críticas, xingamentos e o caralho a quatro. Não que eu me importe, você é apenas um entre bilhões, não faz a mínima diferença. Enfim, foda-se. Pare de ler isso e deixe logo a bosta do seu comentário.
Fernanda, a Sales